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19 de Abril de 2024
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    Tiago Beck Kidricki, membro da ABA, apresenta artigo sobre a Reforma da Previdência Social

    há 7 anos

    Reforma da Previdência Social – Presente, futuro e sustentabilidade

    Por Tiago Beck Kidricki

    Com a consolidação da ideia na sociedade de que é necessária a realização de cortes e ajustes para a retomada do crescimento no Brasil, surge, novamente, o tema da reforma da Previdência como fator decisivo para o alcance da austeridade pretendida. Mais uma vez, a justificativa se dá pela crescente dívida pública, além do aumento da expectativa de vida da população, que ensejaria uma readaptação do sistema à nova realidade. O curioso de se notar é que a legislação previdenciária no Brasil vem, desde a edição da Lei de Benefícios em 1991, sofrendo constantes modificações, menores ou maiores, gerando quase uma habitualidade em mudar-se as regras previdenciárias no país.

    A Previdência, assim, surge, nas declarações dos governantes, como uma das causas deste déficit fiscal. Porém, a verdade é que, ao contrário, a mesma tem servido como fonte de arrecadação, um suporte para outras áreas do orçamento, isso sim, ainda não sendo deficitária, situação oposta ao que é declarado. Quem confirma isso são os próprios auditores fiscais do Brasil, os quais disponibilizam estudo nesse sentido no sítio de sua entidade, a ANFIP (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) . Anualmente, as receitas da Seguridade Social têm superado as despesas, embora a cada ano seja menor o saldo positivo. Segundo estudo da citada instituição, em 2015 o total das receitas da Seguridade superou em mais de 23 bilhões o total de despesas. Em 2014 este superávit havia sido de mais de 53 bilhões, e em 2013 de mais de 76 bilhões.

    Importante ressaltar que não existe, pela Constituição Federal, um orçamento da Previdência Social, mas da Seguridade Social, que engloba saúde, previdência e assistência social, conforme definição do artigo 194 da Carta Magna. E, ao tratar dos orçamentos, a Constituição Federal reserva orçamento próprio, apartado, para a seguridade em seu artigo 165. Ou seja, o que é arrecadado para seguridade deveria ser aplicado somente em seguridade. A única relativização para esta destinação certa seria através da DRU (desvinculação das receitas da União), que este ano foi aprovada no percentual de 30%, e que já vinha sendo utilizada por sucessivos governos.

    Aliás, a existência e necessidade da DRU somam-se ao estudo da ANFIP a fim de demonstrar que a Seguridade Social do Brasil não é deficitária, mas tem servido de muleta para os outros orçamentos da União. Também é importante ressaltar que a Seguridade Social possui diversas receitas, não somente a contribuição dos trabalhadores. O sistema foi pensado para ser sustentável, com uma certa compensação de seu caráter social. Assim, integram também as receitas da Seguridade Social, com base no artigo 195 da Constituição, a contribuição dos empregadores, a COFINS (contribuição sobre operações financeiras), a CSLL (contribuição sobre o lucro líquido), receitas de concurso de prognósticos (loterias), recursos do FAT, entre outras diversas fontes, que lhe dão um robusto orçamento.

    Mas então, que déficit é esse alegado por sucessivos governos? Ocorre que quando o Governo Federal divulga os números de déficit da Previdência, justamente não inclui todas as receitas complementares que apontamos acima. Também, mais recentemente, tem ocorrido de juntar os dados com as despesas dos servidores públicos inativos, que estão sujeitos a regime próprio, fora do regime geral de Previdência Social, a fim de dramatizar os números. Ao Governo interessa ter um orçamento geral equilibrado (veja-se as sucessivas edições da DRU), mesmo que para isso precise valer-se das receitas complementares pertencentes a um orçamento que estaria salvaguardado pela Constituição, como referimos.

    Diante desse quadro, como o Governo endividou-se por outros motivos, há a tentação de auferir mais recursos utilizando o sistema da Seguridade Social, ao invés de atacar os reais motivos do superendividamento do Estado Brasileiro. Não se há de dizer que a Previdência Social não deva ser melhorada e aperfeiçoada. Contudo, no presente a análise do microssistema da Seguridade Social não se mostra tão assustadora quanto a do rombo do orçamento geral da União, aprovado com déficit gigantesco. Mas a questão deve ser apreciada sob uma ótica constitucional e sistêmica, que não vise a apenas apagar incêndio criado por outros motivos, como excessos de gastos do serviço público, emissão exagerada de títulos, juros altos, desperdício, privilégios, supersalários, entre outros. Se continuarmos a olhar com tal imediatismo, vamos sempre continuar remendando nosso Regime Geral de Previdência, como tem sido feito sistematicamente.

    Não se pode é jogar a culpa da situação em pessoas que trabalharam, contribuíram e recebem parcos benefícios do Regime Geral da Previdência. Como dissemos, é possível e necessário pensar-se em melhoramentos, já que, se hoje não há déficit, com o envelhecimento gradativo da população, aumento da expectativa de vida, e redução da população jovem é possível que entremos em um déficit verdadeiro. Os números que citamos no início dessa exposição já apontam essa tendência. Mas temos que partir, nessa discussão que se iniciará, também de dados verdadeiros. E encarar o problema inicial que é o desrespeito à separação dos orçamentos da União.

    Portanto, se a situação atual, isoladamente em relação à Previdência Social é sustentável, graças ao pensamento do constituinte que reservou uma série de recursos extras para o sistema, o futuro não nos reserva o mesmo conforto. Lembremo-nos de que, como dissemos anteriormente, o orçamento da previdência é o mesmo da saúde. O envelhecimento da população implicará em aumento da despesa em ambos, e de forma simultânea, já que os idosos utilizam mais o sistema de saúde.

    Existem vários caminhos possíveis para tentar resolver o problema que existirá com a inversão da pirâmide etária. E a solução pode ser construída após ampla discussão com a sociedade, já que, como referimos, não há a urgência preconizada. Podemos iniciar corrigindo desequilíbrios na Seguridade Social. Também são necessários ajustes nos regimes de servidores públicos e militares, que não serão aqui abordados.

    Assim, em se tratando de regime geral, parece que o primeiro ponto de desequilíbrio a apontar-se é a problemática dos benefícios rurais. Segundo dados da ANFIP, a arrecadação previdenciária rural foi de pouco mais de 7 bilhões de reais e a despesa mais 95 bilhões em 2015. Assim, analisando o subsistema rural isoladamente, vemos um déficit de cerca de 88 bilhões. Se por um lado, entende-se que haja algum subsídio à aposentadoria rural, já que deste meio provém os alimentos de toda população, por outro, há de se reconhecer que o desequilíbrio está intolerável. Com urgência, devem ser tomadas medidas para melhorar a arrecadação da previdência rural, já que muito pouco tem-se recolhido. E acreditamos que o cidadão brasileiro não está disposto a contar com menos recursos para a área da saúde, já que é o mesmo orçamento, a fim de cobrir pagamento de benefícios rurais.

    Parece também oportuno caminharmos para uma igualdade entre os gêneros, de forma gradativa e com um devido período de transição, bem como proibir a cumulação de benefícios previdenciários, que exorbitem o teto do Regime Geral. Além disso, rever a isenção de entidades filantrópicas, as quais deixaram de aportar mais de 11 bilhões aos cofres da Previdência Social em 2015. Se tais medidas seriam suficientes, apenas um estudo atuarial sério, a partir de comparação de dados em um período de alguns anos, poderia constatar.

    Quanto ao estabelecimento de idade mínima para aposentadoria por tempo de contribuição, ainda parece medida temerária, considerando-se as características da população brasileira. Temos ainda baixa expectativa de vida, em comparação a outros países. Vejamos os Estados do Norte e Nordeste do país, em que a expectativa de vida dos homens sequer chega a setenta anos. De outro lado, o trabalhador brasileiro inicia muito cedo na vida laboral, muitas vezes com trabalhos braçais desgastantes, uma vez que nossa economia não está suficientemente mecanizada e desenvolvida. A fixação da idade mínima, também, serviria como desestímulo ao segurado ingressar no sistema o quanto antes. Aqueles que estão em dúvida em contribuir tendem a desistir de ingressar como segurado da Previdência.

    Oportuno citar, também, que já existe um mecanismo inibidor de aposentadorias precoces. É o chamado fator previdenciário, que reduz, considerando a expectativa de vida nacional, proporcionalmente o valor da aposentadoria através de uma fórmula complexa, que tem como variáveis a idade e o tempo de contribuição do segurado .

    De outra banda, há de ser dito que é necessário cuidar do sistema e tratá-lo com inteligência. Parece determinante que a mentalidade seja alterada, a fim de que sejam pensadas políticas para aumentar a formalização e os valores de contribuição. Por exemplo, há de ser incentivado o segurado autônomo a contribuir mais, e não apenas no salário mínimo. A população deve acreditar na Previdência Social e almejar valores maiores de benefício. Isso passa, dentre outras medidas, pela implantação de um único índice de reajuste para todos os segurados, a fim de possibilitar o planejamento previdenciário e evitar distorções, pois vivemos um sistema que incentiva ao pagamento no mínimo possível, já que estes obtêm reajustes maiores em relação aos demais.

    Mas façamos esse alerta, pois, em casos de crise econômica, e na ansiedade por acertar, podemos vir a aceitar modificações injustas e não equilibradas, sem levar em consideração as necessidades do destinatário último do sistema, que é o cidadão. E isso será causa de arrependimento com o passar do tempo. Possuímos um sistema viável, pensado ao longo dos anos, formado também com intuito social e que, para o futuro, necessita de alguns ajustes para plena sustentabilidade. Temos, sim, que decidir que Previdência Social queremos para nosso futuro, respeitando a Constituição e conciliando a necessária austeridade com o bem-estar dos cidadãos do nosso país.

    Tiago Beck Kidricki (foto)
    OAB/RS n. 58.280
    Membro da Associação Brasileira de Advogados – ABA
    Membro da Comissão Especial de Acompanhamento Legislativo do Conselho Federal da OAB.
    Vice-Presidente da Comissão Especial de Previdência Social da OAB/RS.
    Membro do Coletivo Jurídico da FETAPERGS
    Advogado Militante, Sócio-Diretor do escritório Kidricki e Sousa Advogados. Associados, OAB/RS 5195
    Especialista em Direito Previdenciário






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